Flama Henrique Magalhães Em 1963 Deodato Borges lançou a revista As Aventuras do Flama. Impressa em clichê de chumbo, a edição de uma revista em quadrinhos nesse processo não era algo comum, pois além de trabalhoso era muito caro. As Aventuras do Flama tinha o mesmo formato dos “gibis” das bancas (cerca de 17,5x25cm), 40 páginas em preto e branco, capa em duas cores.
Antes de se aventurar na produção de quadrinhos, Deodato já tinha conquistado uma legião de fãs por meio de seu programa de rádio. As Aventuras do Flama era uma novela policial transmitia pela Rádio Borborema, de Campina Grande, no início dos anos 1960. O programa tinha Deodato com autor e apresentador. Foi para presentear seu público que ele a revista do Flama, tornando-se imediatamente um grande sucesso. Deodato lembra que os primeiros 1500 exemplares foram vendidos nas portas da rádio. Ao término do capítulo em que a revista foi anunciada, centenas de crianças invadiram a emissora. Apesar de não ter saído mais que cinco edições, a revista As Aventuras do Flama é tida como uma referência para os quadrinhos paraibanos, sendo ao mesmo tempo a primeira revista e o primeiro personagem criado no estado. O personagem de Deodato inspirava-se em Jerônimo, o herói do Sertão, criado em 1953 por Moysés Weltman para a Rádio Nacional. Essa rádio novela fez tanto sucesso que logo foi adaptada para a televisão, para o cinema e em 1957 para revista em escrita pelo próprio Moysés Weltman e desenhada por Edmundo Rodrigues e Flavio Colin. Mas a maior influência do Flama foi The Spirit, de Will Eisner. O herói mascarado tanto em Eisner quanto em Deodato lembra a figura dos super-heróis, mas é com habilidade física e deduções intelectuais que o personagem se vale para resolver as situações de crimes, furtos e atentados à ordem estabelecida. É interessante também observar que o próprio Deodato se retrata no Flama, fazendo uma ponte entre ficção e realidade e mostrando o grau de envolvimento entre o autor e sua criação.
Analisando o contexto do surgimento dos quadrinhos na Paraíba pode-se considerar a iniciativa de Deodato como um grande feito. Na época, assim como na atualidade, os grandes centros produtores do país se concentram no Sudeste, onde se situam as editoras que lançam as publicações de circulação nacional. As Aventuras do Flama representam o final de um tempo onde o papel do herói, com sua onisciência e onipresença, era ainda um referencial intocável para a juventude. O justiceiro imbatível e inquestionável, o paladino solitário a trazer à ordem os desvios sociais logo se tornaria uma obsolescência frente à complexidade do mundo que se descortinava. Deodato se destaca pela iniciativa pioneira num estado completamente alijado dos meios de produção. A publicação da revista As Aventuras do Flama pode ser considerada um capricho do autor e um regalo para os fãs, não necessariamente uma pedra fundamental para a criação de um mercado. As dificuldades de produção na Paraíba eram e ainda são imensuráveis. A obra de Deodato ganha importância por sua capacidade empreendedora, que dispunha apenas de recursos primários de impressão (os clichês de chumbo) e pela sensibilidade de enxergar um público potencial. Num contexto nacional, tornou-se um marco para os quadrinhos paraibanos e uma expressão excêntrica dos quadrinhos feitos na periferia da periferia mundial.
|